domingo, julho 06, 2003

Sobre história e jornalismo

Estudar o que une (ou separa) a história dos média envolve uma dialéctica que acarinhe a semiótica dos discursos sociais e resolva a intricada matriz da actividade jornalística e da prática historiográfica. A que luz é possível uma hermenêutica destes conceitos? Que estruturas e conjunturas se deixam ler no campo textual da história e do jornalismo?...

Sob a aparência de um ilusória cientificidade, história e jornalismo encontram-nos na glosa linguístico-discursiva e seduzem-nos pela demanda de uma permanente legitimidade epistemológica.

Mas, na verdade, a história resulta de relatos escritos, descritos, explicativos, verdadeiras produções de sentido instauradoras de uma inteligibilidade do passado. O historiador é não mais do que um enunciador que conduz uma orquestra a muitas vozes. O jornalista revê-se em parte neste métier, mas sente ainda mais o peso da enunciação, da singularidade enunciativa que temporaliza, dá forma, contexto, textura e espaço a um qualquer acontecimento.

A perspectiva agudiza-se. Lembro-me de uma citação de Roland Barthes que diz que o real não é mais do que um significado não formulado, abrigado sob um referente aparentemente todo-poderoso. As palavras de Barthes questionam quase tudo, inclusivamente a capacidade do discurso histórico em seguir o real. Não o pode fazer, conclui-se. Resta-lhe a significação construída pelo processo de narração.

Que dúvida. Merecerão os discursos histórico e jornalístico credibilidade total? Não serão as estratégias linguísticas as grandes definidoras da posição dos textos com o real? Redobremos então a preocupação com a produção de outros tipos de discursos históricos, outras narrações, outras narrativas decorrentes do apelo estético irresistível dos média.

Que pontos de contacto e de ruptura há, então, entre a escrita da história e o metier jornalístico? Pensar o jornalismo é, em certa medida, pensar um trabalho de efeito realístico... Tentemos descontruir a concepção.

É apanágio deontológico do jornalismo a defesa de uma ideia de transparência entre o real e os factos narrados. Mas não estará ela sujeita às mesmas limitações da produção do discurso histórico? Michel Foucault, em L’Ordre du Discours, questionava as verdades produzidas pelas disciplinas científicas, argumentando que se tratavam de estratégias discursivas legitimadoras de uma certa construção da linguagem e do saber. Não levantará celeuma ponderar que estes postulados possam ter aplicação num campo reflexivo sobre os aspectos mediáticos da sociedade pós-moderna. Notícia, acontecimento, função do jornalismo: estruturas até há algum tempo resistentes, mas que parecem ruir perante a evidente feição estético-discursiva dos produtos jornalísticos.

Mas a grande questão parece surgir quando o acontecimento também domina a actividade jornalística, trazendo de novo o apport do género realista, o que gera acesas discussões epistemológicas sobre a possibilidade ou não de produção de conhecimento, como acontece com a História.
À luz da filosofia da linguagem e de uma semiologia social, constatamos a predominância de um estilo narrativo que surge como ponte ou mimesis entre acontecimento e informação.

Contudo, entre um e outro há pontos que devem ser avaliados e submetidos a maturação histórica. Sobretudo porque nem sempre o acontecimento está ligado à carga ideológica positivista e factual que em seu torno é anunciada. Acontecimento e informação não podem ser declarados verdades heurísticas sem prévia e fina depuração histórica que poderá dizer se a produção de informação está ou não relacionada com modelos operacionais manipuladores ou subversivos.

Ainda no quadro das relações média / produção histórica, importará reforçar a natureza empírica do acontecimento que só se torna narrativa mediante um processo de escolha. Histórica ou jornalística, a narrativa legitima o discurso, é perita na criação de efeitos de continuidade do real, constitui-se como forma de inteligibilidade...