quarta-feira, março 22, 2006

Bal Moderne

I flew to a bal moderne and to the arms of my significant other. we twisted and we fell into the deep colours of a sleepless soirée. no moon. no stars. no others. i came to be one. i came to be only yours.

a verdade apanha-se com enganos

«sonhei aos vinte anos durante três avé-marias
que eu tinha-me roubado a minha vida
depois de treler o monte dos vendavais
decidi ir contra a futilidade do romance

fui apanhado aos vinte e dois anos
em plena capicua inocente e rua
em amantíssima posse viral

aos vinte e três outonos apaixonei-me doze vezes
e nem sempre pelas mesmas almas
mas sobrevivi a um coração míope»



música: «A Naifa»
texto: Pedro Sena-Lino

«3 minutos antes de a maré encher» ou os sons que oiço [inspired by «A Naifa»]

se eu soubesse quanto tempo levava a maré a encher, deixava-me afogar, por não me apetecer fugir.

antes da maré encher condensa o drama da existência, a crueldade dos dias e das vidas banais e monocromáticas.

é melhor deixar a maré encher e varrer da superfície do mundo as mãos presas no parapeito da janela, a alma trespassada de frieiras e arranhões, as páginas que se sabem de cor, a porta que se fecha à chave, com duas voltas.

é melhor deixar a maré encher e gozar o excesso aquático da incerta agitação das ondas.

inprint

Os meus dias de trabalho são sempre entrecortados pelo estrépito de um novo acontecer. Trabalho há duas semanas. Pouco mais. E continua a apetecer-me essa solicitação do por vir. Contenta-me. Alegra-me. Porque ainda não senti a sucessão igual dos dias. Não amanheço todos os dias. Não conheço o entardecer de outros tantos. Pertenço episodicamente, mas ao mesmo tempo de forma integral, como se ali devesse estar organicamente, naquele ambiente. Ainda temos os livros encaixotados. A burocracia dos dossiers ainda não ocupou as novas estantes. Mas já escolhemos as novas secretárias. Na palma da minha mão, olho a cicatriz deixada por um móvel que ajudei a montar. Inprint do meu trabalho. Quero que fique lá, como registo, como inscrição, como memória. Referente íntimo, rente ao sentir.

segunda-feira, março 06, 2006

do mutismo



Porque às vezes só as tags falam. Porque o nome é o indício / índice que grita. Escondê-lo é calar a voz do texto. E deixar falar o mutismo.

Imagem: Édouard Levé, «Conference»

dos sons originais


Sentado à mesa do computador, que é uma velha máquina de costura, trabalho e escuto o murmúrio das coisas à minha volta. O sítio onde trabalho é uma velha peixaria. Nas paredes há mármore, fria. E o encanto das coisas velhas que só na memória viverão. A geometria da sala é cortada pela bancada de pedra. A sua função foi reinventada. É uma mesa de trabalho, também. Ocupam-na portfolios e projectos. Mais computadores, um telefone, uma impressora.
Na rua passa o eléctrico e tudo estremece. Estremeço, também. Tomo o ar do primeiro dia. O primeiro dia de trabalho.

domingo, março 05, 2006

«A mão no ombro»

«Como se tu alumiasses
ainda
cada degrau, cada palavra,
e a noite não fosse
a única porta estranhamente
branca,
eu subia sem conhecer o ombro
onde apoiava a mão.»



Texto: Eugénio de Andrade
Escultura:
Auguste Rodin, «Hand of the Pianist»

A música das mãos



«Clap your hands!
When I feel so lonely
Clap your hands!
When I won't do nothing
Clap your hands!
When I have no money
Clap your hands!
When it don't seem likely
Clap your hands!
Are you up to something?
Clap your hands!
Where's my milk and honey?
Clap your hands!
When I just look funny
Clap your hands!
I just wait, a while»

Texto: «Clap Your Hands Say Yeah»

inside the snow globe souvenir




Snow globe souvenirs. Parecem condensar momentos de ilusória felicidade. Perverso é transformá-los em salas de pânico, ambientes surreais de asfixia e perigo.

Imagem: Martin & Muñoz, «The Well»

sábado, março 04, 2006

La Blessure



«Exausto, recostou-se no assento. Aí se deixou à espera, preparando-se assim, para, com muito esforço e no meio de grandes tormentos, retomar a sua missão junto da humanidade».
Que código está aqui deslocado? Qual é a reserva psicológica do sofredor e de quem o auxilia? Sem antes nem depois, ler esta imagem é possível a partir do transfert, do reconhecimento de posturas e gestos que nos permitem localizar a estória ou, pelo menos, o subtexto.

Fotografia: Édouard Levé, «La Blessure»
Texto: Virginia Woolf, «Mrs. Dalloway»

Erro

O erro possui em si uma razão gráfica que se inscreve. Este estatuto lega a quem erra a dificuldade de esquecer o seu erro. Por isso, o erro é um processo de desenvolvimento da subjectividade. No erro, o sujeito constrói-se ou destrói-se. Pode ainda diluir-se e viver o noante. Eu posso pretender ter uma reposta para os meus erros. Mas o que me assalta são problematizações e a vontade de não mais errar. Na narrativa que é a minha vida, há traços erráticos de erro. Percebo-os em mim como interiormente percebo a passagem do tempo. Como se o tempo da minha vida se fabricasse no interior de alguns erros que cometi. Então o erro deixa de ser o fragmentário, o contingente ou o acidental.

O erro, na minha vida, é como o tempo em Agostinho. Pelo menos é assim que o conheço. Como tendo um princípio e um fim. Sei que erro pela minha consciência enunciativa do erro. Eu digo: erro, errei, errarei. Como o tempo em Agostinho, os meus erros distender-se-ão para o passado e para o futuro. Sei-o.