quarta-feira, maio 30, 2007

And on the radio...

poema do notíciário radiofónico

O éter é menos volátil do que imaginava.
Pesa e adensa-se em espessas colunas de fumo,
dos cigarros mastigados ao ritmo trepidante
e frenético do acontecer.

A rotina das meias horas obriga.

Mas eu não fumo.
Eu não conhecia, é verdade, os segredos profundos do métier.
Nem a voz (personalidade minha) que se mascara
forçosamente
para falar ao microfone.

A rotina das meias horas obriga.

São ondas volumosas que moldam
O meu ser ao ser noticioso.
Anulo-me. Transparente sou ante a teia dos factos.
Apareço, só por detrás da cortina,
de telexes, sons capturados e nicotina.

A rotina das meias horas obriga.


terça-feira, maio 29, 2007

Alfonsina Storni

"Las lágrimas vertidas se harán
perlas de un collar nuevo; romperá la sombra
un sol precioso que dará a las venas
la savia fresca, loca y bullidora."

Texto: Alfonsina Storni, Lo Inacabable


Não sei se foi o mar de Alfonsina que me deixou assim, pensando na experiência da dor e na existência trágica da palavra-poema. (Falo tanto do mar, noto agora…)

Al*fon*si*na

Tudo neste nome era novo para mim. Mas como é ampla e renovadora a capacidade relevadora da leitura. Alfonsina revelou-se-me em recortes de tonalidade musical.

Todo lo câmbia el momento: daqui resulta agora um enorme pastiche que, pelo impulso da associação, acabei por construir. Neste instante, o impulso original da descoberta conduziu-me à história da poetisa-sofrimento.

As ondas beberam um dia o sentir profundo e azul de Alfonsina. Beberam-lhe a dor. Não voltarei indiferente ao pé do mar. Sempre que escutar a espuma, escutarei a voz de Alfonsina. E sentirei as lágrimas convertidas em pérolas.



"Alfonsina y el mar", cantada por Mercedes Sosa

quarta-feira, maio 02, 2007

Tanto mar dentro. Onde não tenho medo de entrar.

"Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim"

"Tanto Mar"
Chico Buarque |1975|
Cantado por Maria de Medeiros |2007|



Nunca esta música me tocou tão fundo. Os contornos da festa são tão claros e definidos, como o cravo que avermelha dentro de mim. Perdoem-me a escrita truncada e as referências demasiado pessoais. Hoje eu quero esta ambiguidade de sentidos. A primeira vez que me cantaram esta música, não era Abril. Era Setembro soturno e a festa não era bela para todos.

Eu estava contente. Mas a semente é remanescente.
É que a Primavera e o cheiro a alecrim acontecem sempre que estou aqui.
Para mim, claro. Sem penumbra. Sem dúvida. Sem folha caída de Setembro. Com flor de Abril, só.

É esta a nossa importância.

Teu,

Jorge.