sexta-feira, julho 25, 2003

Terminator III

Monstros e ciborgues povoam o imaginário hollywoodesco. Entre o Robocop e o Terminator perfilam-se caracteres que nos permitem leituras antropo-sociológicas: significam eles a obsolescência humana, sinal de uma ontologia perdida? Que quer dizer, afinal, o vaticínio da promessa ciborgue? Será a vinda de uma nova política para o corpo, onde se reconcilia o mecânico e o orgânico, onde se mesclam cultura e natureza, onde se cruzam linhas de uma utopia?

quinta-feira, julho 24, 2003

Os membros fantasma

São corpos de conhecimento orquestrados para o controle, para vigiar e punir; são corpos de dados que se fundem com os nossos permitindo, assim, múltiplas leituras; são representações abstractas do eu e do corpo fora do alcance do indivíduo. Autênticos duplos electrónicos, tomam a forma de extractos bancários e registos médicos e, contra qualquer noção de cidadania e esfera privada, constituem uma intromissão mediadora que impõe as relações sociais e nos veta à fragilidade e a uma ampla exposição, por vezes ingenuamente desconhecida.

segunda-feira, julho 21, 2003

Este espaço de refiguração

Há um código do sistema pictórico que me abraça quando contemplo Caravaggio.

É como se a tessitura deste texto-tela se configurasse em instituição da espiritualidade.

E o curioso é que a cada olhar consigo desdobrar regimes sempre novos de referência, de enunciação e de interlocução.

Como faz sentido textual esta tela que textualiza e se faz corpo na convocação da espiritualidade?

Dou a ler a tela, o texto e a questão. Mas o meu eu comunicador jamais será testemunho universal do discurso aqui encerrado. Neste espaço de refiguração.

[Madonna dei Palafrenieri (1605) Caravaggio]

Comentário

É sobre o limite que assenta o mundo. É o limite que separa o céu e a terra. Os olhos têm a sua clausura. A boca tem um limite. Tudo tem um limite. [da sabedoria chinesa, citado em A Sedução do Real, José Augusto Mourão]

Assumamos a hipótese de comentário.
Que discurso? Que texto? Que significação?

Manifesto resíduo que se descobre. Que intenção?

Percamos a inocência do comentário.
Percamos o esforço de restituição de qualquer mistério original.

Eu quero o pensamento de um qualquer intérprete. [como acesso a este real que nos significa]. Respondam-me.

Da polifonia do blog

O blog obrigou-me à contingência radical do avoir quelqu'a dire.
A constatação preocupou-me e teve o mérito da suspensão do juízo. Silenciei-me por uns dias.

Tive de ultrapassar a armadilha da indiferença, da surdez e da mudez dogmática. Afinal, o dogmatismo recusa a alteridade e eu desejo-a e reconheço-a.

De novo a polifonia das letras e da imago. E ainda bem.
Dizia Bakhtine: o melhor meio de descobrir a intenção do escritor é aceitar este papel de interlocutor (e não de se ater à fiel reconstrução).

sexta-feira, julho 11, 2003

Vide

Que eu fale. Que alguém ceda a fala e assim actue em silêncio.
Exercício que me permito. Assim diga eu algo que se espelhe algures. Assim signifiquemos. Em cada salto no vazio.

Leap into the void. [Performance de Yves Klein]

O sintoma deste vício de ler

Retomo. Sintetizo. Mas o sintoma deste meu vício de ler as imagens sobrevem sempre. Persiste.

Fala-me, sussurra-se ao ouvido este significante reprimido. Solto esta opacidade mais uma vez. Hoje, com van Eyck.

O instante

Sei-o como primeiro indício de uma ficção fundadora. O instante é o primeiro objecto que me chega de fora de mim. Por isso, é também uma figura de engano.

Assimilo o instante à superfície. Ele instala-se. Transita entre prismas: do especular, do espectral.

Há, ainda, um momento em que se decompõe. Mostra imagens e personagens convocadas [desconheço muitas, outras são já diagnóstico da experiência].

Chego, por fim, ao tempo de compreender. Mas não permaneço. Há uma urgência que me grita de novo a circularidade do instante.

quinta-feira, julho 10, 2003

Da construção discursiva

Lembrei-me hoje de reler as Memórias do Mediterrâneo, de Fernand Braudel [vulto da Escola dos Annais, um dos redimensionadores da discussão historiográfica, defensor de uma nova perspectiva e de um novo lugar teórico para a história, especialmente como movimento pluridireccional, relacionado com uma nova dialéctica das durações temporais].

E a questão do tempo e da [re]construção discursiva interessa às Ciências da Comunicação, ao estudo dos média. Está até, a meu ver, muito relacionada com a problemática da visibilidade do que acontece, da lógica discursiva de agressivo aparato mediático.

Inquietam-me estas questões. Inquieta-me pensar a condição da própria cultura. Autores como Foucault, Deleuze, Baudrillard ou Lyotard realçam o papel da linguagem como prática importante para a fundação das relações sociais. Os discursos sociais aparecem assim como um sintoma da crise que se abate sobre as pretensões universalistas das certezas modernistas.

É talvez o fim da totalidade social. Não mais existe a coerência estrutural proposta como racionalidade da história. Atentemos nas narrativas que moldam e influenciam a sociedade civil.

O tempo é de indefinição, de reposicionamento da relação entre o conhecimento e a realidade social. Porque se constatam os limites do conhecimento científico e a multiplicação dos discursos fundadores do real. Porque nasce a noção de que as identidades colectivas [e cada vez mais as individuais] têm uma construção discursiva.

Voyage [II]

Dos espaços interiores que não percorri
Das ausências que permaneci
Do longe que a distância aproximou
E tocou nas ondas de um oceano de novo alcançado...

quarta-feira, julho 09, 2003

Das Relações Públicas

O estudo das Relações Públicas é polarizador dos conhecimentos das ciências sociais e humanas. O inegável objectivo de legitimação do poder do homem para marcar, manter e ampliar o seu espaço na sociedade assim o confirma.

As Relações Públicas definem-se como processo pluridimensional de interacção com os públicos. Qualquer abordagem não ficará imune a interrogações paradigmáticas que, como no campo das ciências sociais, adiantarão que a objectividade não é atingível. Há sim fenómenos emergentes, processos de comunicação mais ou menos equilibrados, grupos sociais, problemas conceptuais que focam a linguagem, o poder e a condição do homem social.

A interdisciplinaridade é, talvez, a abordagem mais coerente. Há em todas as áreas do conhecimento referenciais emprestados por vários ramos do saber, há estruturas psicossociais, culturais, económicas, políticas, ideológicas, histórico-filosóficas, que ditam uma perspectiva integracionista de conceitos. No campo das Relações Públicas, diríamos, talvez, que há um corpo de ideias e procedimentos expressos em linguagens múltiplas, consequência de uma grande permeabilidade, de fronteiras esbatidas pertencentes a um organismo cultural.

O seu papel nas Ciências Sociais não é de afirmação como paradigma explicativo do sistema mundo. Mas é útil reconhecer a sua importância para a compreensão de alguns fenómenos: as relações públicas projectam-se na práxis como um agir reflectido e transformador; elas lidam com o universo simbólico dos conflitos, das acções organizacionais de interesse público, tendo como suporte o processo comunicacional, expresso em várias linguagens.

A linguagem é, aliás, um processo essencial ao estudo das Relações Públicas. As suas condições denotativas, representativas, por vezes ambíguas, são construtivas de um discurso intencional, de um jogo de acção comunicativa, como diria Habermas. Por isso, interessa às ciências da comunicação, como à semiótica, compreender o que subjaz às formas de relação com o outro – não podemos esquecer as dimensões da linguagem, as roupagens coercivas, libertárias ou alienantes de que ela se pode revestir.

Apesar de um constante assédio mediático que nos assombra com o espectro permanente da opinião pública, de uma massa categórica e alheia à manipulação do discurso hegemónico, não devemos perder de vista a dimensão individual do homem que, mesmo pertencendo a um grupo, é dotado de estruturas e interesses particulares que superam os da colectividade.

A linguagem dos média procura hoje atingir as massas com uma constante simulação do interesse comum, contornando controvérsias, moldando consciências e opiniões para constituir um público, procurando o arrebatamento da multidão. A linguagem dos média traduz uma manifestação de instâncias legitimadoras, de poderes mais ou menos visíveis nos quais devemos atentar.

E o poder reveste-se de um aspecto difuso e doseável, visível quando se manifesta, oculto intencionalmente quando quer colocar o indivíduo em evidência. É criado um aparato racional, controlam-se sistemas de apoio adequados a modelos tecnocráticos que se apresentam como determinações institucionais.

Voyage

Paisagem, decalque de mim
Memória que não recordo
Do quinto elemento revelado
Num vento térreo de esperança

terça-feira, julho 08, 2003

Il y a une universalité de l’homme; mais elle n’est pas donnée, elle est perpétuellement construite*

Novas estradas se constroem a uma velocidade estonteante. E a paisagem cobre-se de redes e canais, de aparente abstração e realidade pouco palpável. Desenham-se as vias de uma nova realidade – a da comunicação que nos envolve e afecta o âmago.

Da massa pós-moderna moldada nos cânones da televisão e de outros média ao espectacular desenvolvimento da técnica, uma voraz mudança... Nova etimologia, nova terminologia, nova sociologia e novo lugar para o homem, introduzidos por pela enunciação global de uma era mediática em que impera o multi e a cultura de redes.

Vivemos, de facto, o tempo das redes. Elas são e serão o sistema nervoso da sociedade futura. Elas são a info e a infra-estrutura da inteireza social e dos próprios sujeitos, com potenciais consequências para ecologia humana, se o ambiente mediático continuar a penetrar as nossas vidas privadas, a reduzir e mesmo a destruir a qualidade das comunicações inter-pessoais.

E o que dizer dos valores sociais quando o desenvolvimento das tecnologias da comunicação é responsável por uma terrível padronização dos actos e dos actores? Estará também ameaçada a equidade social, comprometida a promessa democrática, quando a dita sociedade de informação vale mais para uns, do que para outros, quando somos confrontados com uma crescente classe de infopobres e infoexcluídos?...

A promessa desvanece, porque apesar de uma minoria bem informada, da ilusão de participação e decisão nas instituições, prevalece uma visão subversiva da democracia, sujeita ao um aumento exponencial das oportunidades de controlo central, com consequente limitação das liberdades individuais.

Podemos contra-argumentar, afirmar a diversidade de impressões que podemos recolher dos novos média, com inúmeras potencialidades para o enriquecimento da mente humana. Mas, não serão essas impressões oferecidas, muitas vezes, em quantidades não processáveis, fora de contexto, e em linguagens e padrões artificiais, fragmentados?...

*[Jean Paul Sartre]

segunda-feira, julho 07, 2003

Foto[grafia]

Haverá um modelo semiótico satisfatório para o signo fotográfico? Não o creio. O próprio silabar da palavra fotografia deixa perceber uma des-possessão no nomear, uma incapacidade de definição.

Contra-argumentem, por favor. Podem dizer que é possível um modelo, uma modalidade da percepção e do conceito: antropológica [enquanto portrait de um carácter universal], cultural...

Eu prefiro as noções de transparência e opacidade que fazem a textura de uma grafia que se cola, no instantâneo, a Narciso.

[fotografia de Jorge Molder]

Da neutralidade

Uma das ideias que indirectamente se anuncia no post anterior é a de que o acontecer mediático depende da óptica jornalística. Os meios de comunicação e informação, integrados na indústria cultural, agem fortemente na fabricação de consciências. Esta proliferação de uma imparável tecnologia de persuasão, modifica as regras da comunicação humana. A acompanhar a mediatização encontramos dispositivos hábeis em controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os sistemas de valores.

Leia-se, a este propósito, Serge Halimi no livro Os Novos Cães de Guarda. Somos confrontados com uma ética indignada, um jornalismo de reverência, estreitamente relacionado com o poder, que se vem desenvolvendo com a mercantilização da informação.

Passando a redundância, sonhemos uma utopia...
Idealmente, o jornalismo consolida-se sob o fundamento da objectividade. Significa isto que o conhecimento produzido pelo jornalismo se baseia numa rigorosa observação dos factos, estáveis e absolutos na essência que os constitui.

Ao jornalista confiamos a capacidade de capturá-los e torná-los conhecidos pela generalidade do público. Esta noção especular do conhecimento centra-se na ideia de que o jornalista reproduz fielmente o facto, num processo de reportabilidade da realidade. Induz-se, a partir destes postulados, que se assume a neutralidade do jornalista num grau de pureza e autenticidade perante os factos, num estado de alheamento emocional. O jornalista deve ter o discernimento e isenção necessários para não comprometer a veracidade do relato.


O outro lado: o da dureza da confrontação empírica...
Haverá mesmo uma realidade factual anterior à notícia? Ou o facto noticiado constitui-se como realidade mediante processos activos de atribuição de sentido, implicando a acção subjectiva do jornalista que encara e conhece, um meio que impõe valores-moldura e uma estrutura de trabalho (empresa, jornal, estação televisiva) que impele a uma determinada orientação?

Não serão as palavras, as imagens e os sons que constituem a notícia objecto de selecção? Não traduz este processo marcas de intencionalidade e responsabilidade? Claro que sim...

domingo, julho 06, 2003

Sobre história e jornalismo

Estudar o que une (ou separa) a história dos média envolve uma dialéctica que acarinhe a semiótica dos discursos sociais e resolva a intricada matriz da actividade jornalística e da prática historiográfica. A que luz é possível uma hermenêutica destes conceitos? Que estruturas e conjunturas se deixam ler no campo textual da história e do jornalismo?...

Sob a aparência de um ilusória cientificidade, história e jornalismo encontram-nos na glosa linguístico-discursiva e seduzem-nos pela demanda de uma permanente legitimidade epistemológica.

Mas, na verdade, a história resulta de relatos escritos, descritos, explicativos, verdadeiras produções de sentido instauradoras de uma inteligibilidade do passado. O historiador é não mais do que um enunciador que conduz uma orquestra a muitas vozes. O jornalista revê-se em parte neste métier, mas sente ainda mais o peso da enunciação, da singularidade enunciativa que temporaliza, dá forma, contexto, textura e espaço a um qualquer acontecimento.

A perspectiva agudiza-se. Lembro-me de uma citação de Roland Barthes que diz que o real não é mais do que um significado não formulado, abrigado sob um referente aparentemente todo-poderoso. As palavras de Barthes questionam quase tudo, inclusivamente a capacidade do discurso histórico em seguir o real. Não o pode fazer, conclui-se. Resta-lhe a significação construída pelo processo de narração.

Que dúvida. Merecerão os discursos histórico e jornalístico credibilidade total? Não serão as estratégias linguísticas as grandes definidoras da posição dos textos com o real? Redobremos então a preocupação com a produção de outros tipos de discursos históricos, outras narrações, outras narrativas decorrentes do apelo estético irresistível dos média.

Que pontos de contacto e de ruptura há, então, entre a escrita da história e o metier jornalístico? Pensar o jornalismo é, em certa medida, pensar um trabalho de efeito realístico... Tentemos descontruir a concepção.

É apanágio deontológico do jornalismo a defesa de uma ideia de transparência entre o real e os factos narrados. Mas não estará ela sujeita às mesmas limitações da produção do discurso histórico? Michel Foucault, em L’Ordre du Discours, questionava as verdades produzidas pelas disciplinas científicas, argumentando que se tratavam de estratégias discursivas legitimadoras de uma certa construção da linguagem e do saber. Não levantará celeuma ponderar que estes postulados possam ter aplicação num campo reflexivo sobre os aspectos mediáticos da sociedade pós-moderna. Notícia, acontecimento, função do jornalismo: estruturas até há algum tempo resistentes, mas que parecem ruir perante a evidente feição estético-discursiva dos produtos jornalísticos.

Mas a grande questão parece surgir quando o acontecimento também domina a actividade jornalística, trazendo de novo o apport do género realista, o que gera acesas discussões epistemológicas sobre a possibilidade ou não de produção de conhecimento, como acontece com a História.
À luz da filosofia da linguagem e de uma semiologia social, constatamos a predominância de um estilo narrativo que surge como ponte ou mimesis entre acontecimento e informação.

Contudo, entre um e outro há pontos que devem ser avaliados e submetidos a maturação histórica. Sobretudo porque nem sempre o acontecimento está ligado à carga ideológica positivista e factual que em seu torno é anunciada. Acontecimento e informação não podem ser declarados verdades heurísticas sem prévia e fina depuração histórica que poderá dizer se a produção de informação está ou não relacionada com modelos operacionais manipuladores ou subversivos.

Ainda no quadro das relações média / produção histórica, importará reforçar a natureza empírica do acontecimento que só se torna narrativa mediante um processo de escolha. Histórica ou jornalística, a narrativa legitima o discurso, é perita na criação de efeitos de continuidade do real, constitui-se como forma de inteligibilidade...

sábado, julho 05, 2003

Lamento pós-moderno de sábado à noite

Estou cansado de tudo o que hoje é relativo e ilusório. Há falsas ideologias e falsos ideais. Há uma sede de libertar instintos reprimidos e deixar-se levar pela sensibilidade, o que contribui para uma visão imediatista do homem.

Esta visão [será ela freudiana?] anuncia os propósitos subjectivos do sujeito que deseja experimentar fortes sentimentos de prazer; uma visão que se alia a uma gnose libertadora do corpo e do espírito, em comunhão com uma energia cósmica absoluta, globalizante, que a todos irmana.

Mas eu estou cansado do medo da capacidade intelectiva, do universo de sensações desordenadas e imagens ready-made que degluto sem mastigar.

Sucedem-se clichés pré-fabricados potenciadores de uma ilusão de conhecimento, fecha-se e reduz-se a percepção do mundo.

Na verdade, nesta noite, eu só não queria confrontar-me com tudo o que é habitado por um pseudo-acontecer...

sexta-feira, julho 04, 2003

Sobre Jornalismo e Democracia

Em resposta à Ana P. [a quem agradeço o comentário], aqui seguem algumas considerações sobre Jornalismo e Democracia.

São hoje evidentes os efeitos do jornalismo no quotidiano dos sujeitos. É uma inscrição mais ou menos reversível, consoante o média é soft ou hard, consoante a exposição ao espectro radial informativo, variável em função da existência ou não de lógicas poder (por vezes manipuladoras de opiniões e consciências), não descortináveis a um olhar nu.

Por isso, no fluxo contínuo de um mundo imerso em redes interconexas possibilitadoras de uma globalização totalizante, é importante questionar o valor em mudança da notícia e de quem a cria e divulga, sobretudo em ambiente democrático. Vivemos o tempo de uma sociedade complexa e fragmentada em que os canais comunicacionais fundam um eco tematizador da esfera pública que se repercute até à exaustão. Como um fórum aberto em contínuo, palco de disputa e acusação, espaço de afirmação. A propósito, recorde-se Habermas e a multiplicidade de esferas públicas promíscuas em que os indivíduos se sujeitam a uma constante reestruturação de relações, emergindo vozes distintas e difusas, discursos que se cruzam, sobrepõem e, não raras vezes, se contradizem...

Quanto à garantia da democracia no sistema mediático, penso que é importante assegurar funções sociais vitais:

Função informativa – ser capaz de revelar informação apurada a um grande número de pessoas, de forma rápida;

Função representativa – ser capaz de deixar falar diferentes vozes, mostrar todos os lados das questões, articular pontos de vista;

Função socializadora – ser capaz de passar valores fundamentais a uma sociedade bem sucedida, na esteira das ideias de liberdade, justiça e responsabilidade social;

Função de integração – ser capaz de promover a identidade comunitária;

Função de identificação – ser capaz de gerar nos sujeitos o sentimento de pertença e envolvimento social;

Função de protecção – ser capaz de proteger os interesses do público.

O corpo / a escrita / a leitura

Ascese de um exercício de si. Sujeito que não se assujeita e se cultiva. Sedução discursiva que o texto figura e que ao sujeito se afigura como acontecer texto-vida. Experiência que produz sentido no[s] momento[s] de leitura em que o corpo se abre e assim aspira à união essencial investidora de razão. Então, o corpo-sujeito beberá dos signos dessa matriz, alimentando a substância de uma presença dialógica. Será também ele corpo-livro.

Deriva semiótica [simples e inócua] acerca do blog

Uma das formas de semiótica que mais me atrai é a da aparição. Muito simplesmente, apetece-me dizer que o blog, ao potenciar uma forma de exposição, é experienciado por todos quanto o praticam como uma semiose cuja estrutura enunciativa nos torna extensamente visíveis. Como numa aparição.

[...] o irreal de tudo não está no tudo de que é o irreal, mas na nossa capacidade de o ver, ou seja, de que nos apareça. Ferreira, Vergílio (1992) Pensar. Lisboa: Bertrand, p. 329.

quinta-feira, julho 03, 2003

Do gesto

O sistema do motor humano constitui-se muito pela envolvente física. Pelas predisposições morfológicas com o mundo espacial que é o gesto. Por isto, gesto é comunicação. E também porque é uma emanência de esquemas essenciais da nossa mente, inscritos em padrões que se reforçam pelo poder interaccional.

O gesto comunica estados. Por uma instrumentalidade visível [manipulação, construção, mudança, movimento, destruição], pelo sintoma da actividade mental, pela expressividade [o melhor exemplo é, sem dúvida, a linguagem].

O gesto acontece: espontaneamente ou conscientemente E é possível enquadrá-lo em escalas consoante o espontâneo ou o consciente [cruciais para a compreensão do comportamento] apontam autenticidade/sinceridade ou simulação/manipulação. Mas isso ficará para mais tarde na nossa discussão.

[D]a escrita do blog

Blog é manifestação de um código, pertença de um sistema de escrita. É já mesmo a instituição de certa forma de escrita, marcada por uma modulação própria, por um regime particular de significância, de referência, de enunciação; por um apport interlocutivo especial.

Trabalho de depuração. A análise do blog deverá convocar os critérios retóricos [que averiguem da psicologia, da sociologia, da ideologia do falante que nos escreve], juntando-lhes uma poética de estilo.

O blog é texto que constitui um ponto de vista textológico. É texto que se actualiza na leitura do depósito textual, sinónimo de ligação a um sujeito e a uma experiência.

É texto em liaison porquanto é abertura dos modos de interrogatividade, de intertextualidade, de desejo de exibição e revelação do dispositivo enunciativo.

Sobre as artes do corpo

A mis-en-scène do corpo do artista apresenta uma nova modalidade de linguagem. Propõe-se um discurso do corpo pelo corpo, como sujeito tornado erótico e histórico [que a tradição ocidental sempre procurou recalcar e ocultar, mas que agora aflora, problemático].

A obra corporal consuma-se perante um púbico que comunga com o [corpo do] outro uma experiência intersubjectiva e dialógica. Entre ambos acontece comunicação: exprimem-se e questionam-se preocupações pontuais e problemas de identidade; gera-se uma operacionalidade do[s] eu[s], enquanto modalidade de uma interacção dual. Ou plural.

quarta-feira, julho 02, 2003

Hiper-identidade ou o recentramento da experiência de leitura/ escrita hipermediatizada

Somos uma civilização do livro. E irmanámo-nos na possibilidade de voz singular e clausura que esse texto fundador nos concedeu.

Hoje, contudo, fazemos a transição para uma sociedade pós-literada, em que a experiência dos textos é também a experiência de um novo être, de uma nova pessoa, de um novo corpo. Altera-se a textura, ou seja, a natureza textual das nossas vidas. Falo dos seres virtuais, mais ou menos abstractos, definidos na inconcretude do ciberespaço. Falo, no limite, da blogosfera.

Os novos media relocalizam o nosso ser-no-sistema-mundo num abraço global. E a novidade está no reforçado poder da escrita como processo cognitivo, prática cultural, como metáfora. A escrita hipermediática une agora o que condensa em tempo e espaço com uma nova essência, um novo acto humano de linguagem.

Porquê os estudos sobre a imagem e sobre o visual?

Porque enquanto campo conceptual, o visual é um espaço habitado e habitável pelo paradoxo. E o paradoxo interessa às Ciências da Comunicação.

Dos novos media [onde a confrontação com a imagem se joga (e não esgota) num contínuo imediato] emerge um questionamento filosófico do visual que supera o sistema da estética. E é importante apresentá-lo e abri-lo à discussão.

Preocupam-me os estudos sobre o visual porque não muitos reconhecem que os novos média exigem a desconstrução desta modalidade discursiva.

Tal empresa e tal aventura crítica exige uma investigação genealógica da estética que apure os conceitos sugeridos pelos novos média, nomeadamente os signos do que constitui figura e cultura audiovisual.

A meu ver, concluir-se-á que o estágio em que nos encontramos está além da imagem e do signo. Vivemos o simulacro: entre o modelo e a cópia.

Ser tocado pela profundidade da obra é um sentir que desvanece.

A propósito da evocação de Walter Benjamin no Socio[B]logue (aconselho vivamente a leitura do post), algumas considerações au tour dos contributos do filósofo para uma quase sociologia da comunicação e da recepção estética...

Benjamin compreende a reprodutibilidade técnica como ameaça ao processo de constituição da obra de arte (dilui-se o lugar da mão) e, sobretudo, às instâncias incorporais do génio criativo, do culto esteticista. Alteram-se condições e lugares de produção e recepção. Um novo estatuto está por reivindicar: pintura, literatura, teatro precisam de se reinventar como gesto e assim procurar formas de infusão com o mundo, caminhos de [re]investimento social.

A grande questão é a perda da aura, da [feliz] possibilidade de contemplar ou criar alguma coisa, preservando-a de uma difusão massificante...

A aura é uma relação espiritualizada com a obra de arte, convite à viagem interior do sujeito que contempla. Permanece no choque e no confronto in loco, in tempus. Esfuma-se na mediação técnica, porquanto se perde uma emoção maior, um não-sei-quê que faz a nossa interpretação pessoal e ilimitada.

A exposição da obra de arte [e consequente imposição de uma mediação forçada] cobre-a de superficialidade e de banalização. A reprodutibilidade técnica pode até gerar aproximação: mas não deixa de ser a obra a passar por nós, em vez do contrário.

Morre o aqui e agora. Morre o valor de culto. O social passa a ditar o gosto. Ignora-se que entender a obra implica que nos integremos e entreguemos a ela...


Ler: Benjamin, Walter: "A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica", in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Relógio d'Água, 1992